Barata tonta

Nas profundezas do sistema municipal de esgoto, um vislumbre de luz. Anteninhas se agitam em grande excitação. É hora, é hora! Prepara-se Filomena para subir à superfície. Um ralo fora do lugar! Chance rara e definitiva para elas, as baratas, levarem uma vidinha melhor (pois habitam o escuro e úmido dos canos, mas só por falta de outra opção, mesmo). – Filomena, você se considera um inseto afortunado? – Nós, baratas, não acreditamos em sorte. Nós, baratas, acreditamos em oportunidade! – Aplausos ao longe, e gritinhos nervosos. Sobem ligeiras as patinhas, vencendo com determinação o longo túnel metálico. O que não faz um ideal! Ambiciosa barata, guiada pela aspiração maior da liberdade; chegando próximo a seu objetivo, pensa em quão boa não seria sua vida em um apê em Copacabana. Quando, ao fim do caminho, sua grossa casca se banha finalmente de uma claridade jamais vista, a barata, ah!, a barata se deslumbra. Todo plano traçado, todo sonho, toda meta se embaralha dentro daquele corpinho duro. Não há exoesqueleto que contenha tamanha alegria. É assim que a barata se entontece, é assim que a barata corre atarantada para todo canto. E quando surge a vassoura, quando aparecem as sandálias havaianas, então compreendemos porque elas, baratas, não acreditam – mesmo – em sorte.

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Uma resposta para Barata tonta

  1. Diego disse:

    sensacional!!! kafka gostaria. 😉

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